O preço da perfeição: Pressão do padrão estético na comunidade gay

💡 Mais Leve Do Que Nunca - Edição #021

 Super dica: Enquanto você lê esta edição, que tal ouvir "Rainha do Axé", canção de Daniela Mercury, na playlist do Mais Leve Do Que Nunca no Spotify?

(🔗Ouça agora no Spotify!)

Diga espelho meu, existe alguém mais belo do que eu?

Estreou essa semana o polêmico live-action da Branca de Neve.

A história você já conhece. Não vou gastar nem meia dúzia de palavras falando sobre ela, a Branca de Neve.

Quero concentrar toda nossa atenção na diva queen dos contos de fadas: a Rainha Má.

Para quem me conhece sabe que vivo uma paixão avassaladora e inexplicável por ela.

A tenho bem grande tatuada no braço.

Não surpreende dizer que sempre fui muito mais fã dos vilões dos contos de fadas do que dos príncipes encantados e das princesas com suas histórias - bobas - de beijos de amor verdadeiro.

Talvez os vilões sejam mais reais, mais humanos, mais parecidos mesmo com a gente e com nossos sentimentos controversos.

Você precisa concordar comigo, essa promessa de viver felizes para sempre, só faz a gente se sentir frustrado.

Com personalidade forte, vaidade elevada à décima potência, a queen ficou famosa por querer matar a pobre Branca de Neve pelo simples fato de ela ser "a mais bonita".

Ser mais bonita tornou a sua vida um inferno.

Fácil defender a Branca de Neve, pobre vítima da vaidade desdobrada da Queen.

Há quem julgue a vilã, mas a pergunta é: Você já parou para pensar o quanto da personalidade da Rainha Má vive dentro de nós?

Sim, meu caro leitor, este não é um texto sobre o filme, nem uma análise psicológica dos personagens.

Nesta minha edição do Mais Leve Do Que Nunca, quem assume o papel de antagonista aqui é você!

Quero convidá-lo para uma reflexão mais profunda sobre as pressões estéticas do homem gay na comunidade e seus impactos na nossa saúde do corpo e da mente.

Vamos juntos?

Pressão estética e a exclusão dentro comunidade

I'm a Barbie girl, in the Barbie world
Life in plastic, it's fantastic

O fordismo é um modelo de produção em massa desenvolvido por Henry Ford no início do século XX.

Ele revolucionou a indústria ao introduzir a linha de montagem, um sistema no qual cada trabalhador executava uma única tarefa repetitiva em um processo contínuo, acelerando a produção e reduzindo custos.

Os principais pilares do fordismo são:

Produção em massa – Grandes volumes de um mesmo produto eram fabricados para reduzir custos unitários.

✅ Trabalho especializado e repetitivo – Cada operário tinha uma função específica e repetitiva na linha de montagem.

Salários mais altos – Ford aumentou os salários de seus funcionários para que pudessem comprar os próprios carros, incentivando o consumo.

✅ Padronização dos produtos – Produção de itens idênticos, sem muita variação, para facilitar a fabricação.

O fordismo dominou a indústria até meados do século XX, quando foi substituído pelo toyotismo, um modelo mais flexível, voltado para a produção sob demanda e a diversificação de produtos.

Mas por que isso importa aqui?

Porque, dentro da comunidade gay, parece que a lógica do fordismo segue firme e forte: ou você é um homem gay “padrão” e “discreto”, ou está marginalizado.

Quando em 1999, eu “saí do armário”, chamávamos esses "padrões" de Barbie.

Era uma fábrica de bonecas idênticas, sem espaço para variações.

Essa obsessão pela padronização — talvez um resquício do fordismo — encontrou um terreno fértil no machismo, no falocentrismo e no patriarcado.

O resultado? Um paradoxo cruel.

Se já não bastasse a violência do preconceito externo, dentro da própria comunidade gay vivemos a exclusão, o julgamento e a discriminação entre nós.

O meio LGBT, que grita por inclusão e tolerância, ainda carrega profundas contradições.

Padrões de exclusão como misoginia, gordofobia, etarismo, racismo, sorofobia e machismo continuam reforçando a segregação interna, tornando a comunidade um ambiente muitas vezes tão hostil quanto o mundo do lado de fora.

Grindr: Inclusão ou Exclusão?

Sarado dot com local: afim de que?

Se a vida offline já é difícil, nos aplicativos de relacionamento a realidade para o gay que não se encaixa nos padrões é ainda mais cruel.

Uma pesquisa realizada com usuários do Grindr por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) revelou que o segundo critério mais importante para conseguir sexo no aplicativo é ter um “corpo padrão” – ou, pelo menos, não ser considerado “gordo”.

Essa exigência perde apenas para a rejeição a “gays afeminados”.

Criados para facilitar encontros, esses aplicativos acabaram se tornando verdadeiros espaços de exclusão e discriminação.

O resultado? Plataformas que deveriam conectar acabam gerando efeitos psicológicos nocivos: ansiedade, desgaste emocional, dependência, sensação de insuficiência e, ironicamente, solidão.

📖 Recomendação de leitura:

Ansiedade, solidão e baixa autoestima: o lado sombrio do Grindr foi um dos meus textos mais lidos na internet é inteiramente dedicado a esse tema.

🔗 Para ler, clique aqui.

Vivo com HIV, posso usar anabolizante?

Não vou dizer que pode, mas também não vou dizer que não pode.

Não demora muito para que alguém apareça no meu Instagram com essa pergunta. Querem saber sobre o uso de anabolizantes, seus impactos e contraindicações.

Como se eu fosse um endocrinologista. Mas não sou.

E isso é importante deixar claro: sobre esse assunto, minha autoridade é exatamente zero.

Por trás dessa pergunta, porém, há algo muito maior do que uma simples dúvida médica.

O que realmente está em jogo é a pressão do padrão estético dentro da comunidade gay e a urgência em se sentir incluído, aceito, admirado e desejado.

Claro, sempre há um argumento que parece bastante convincente: "Quero me sentir melhor comigo mesmo."

Mas talvez seja exatamente aí que mora o dilema: será que eu preciso me encaixar em um padrão estético para, só então, me sentir bem comigo mesmo?

Fica aqui minha primeira provocação.

Sobre o uso de anabolizantes, eu não vou dizer que pode, mas também não vou dizer que não pode. O que eu recomendo – e recomendo fortemente – é que você procure um endocrinologista de confiança.

Se for o caso, com exames em mãos e ciente dos riscos, um profissional sério pode orientar seu tratamento. O que você não pode fazer é se jogar nisso sem critério.

Hoje, tudo é fácil: você pega umas dicas com um colega ou professor e consegue os medicamentos em qualquer academia.

E é exatamente aí que mora o perigo. A banalização do uso pode trazer danos irreversíveis à sua saúde.

Se esse é um caminho que você está considerando, faça direito. Consulte um endocrinologista responsável.

E, se você vive com HIV, converse também com seu infectologista.

Obsessão pelo corpo perfeito

“Quantos litros de botox conseguimos somar em uma só tarde de praia em Ipanema, no posto 9?”

Talvez você possa usar todos os anabolizantes, gastar fortunas em suplementos (muitos sem eficácia real), esticar o rosto e aplicar botox até onde seu bolso permitir.

Mas a verdade é simples: se você não estiver bem por dentro, nunca sentirá que alcançou o padrão que fantasiava. Essa corrida pelo corpo perfeito pode facilmente se transformar em obsessão.

"Um corpo padrão é aquele que abriga uma pessoa feliz." Mesmo com suas "imperfeições".

A linha entre a busca pela beleza e a obsessão é muito tênue – e pode custar sua saúde.

Afinal, qual é o preço que estamos dispostos a pagar para sermos aceitos, desejados e admirados?

O preço da perfeição: os Impactos negativos da pressão estética

Hidden Identities de Stefan Gunnesch

A busca incessante pelo corpo perfeito cobra um preço alto.

Na comunidade gay, onde a estética muitas vezes se torna um fator determinante na aceitação social e no desejo, essa pressão pode ter consequências devastadoras para o corpo e para a mente.

O culto ao corpo idealizado não é apenas uma questão de vaidade, mas um reflexo de um sistema que hierarquiza pessoas com base na aparência, impondo um padrão inalcançável para muitos.

A promessa de pertencimento vem com uma condição: estar dentro do molde. Caso contrário, o destino é a marginalização.

O resultado disso?

Percepção distorcida da autoimagem – O espelho se torna um inimigo, e a comparação constante faz com que qualquer "imperfeição" pareça um erro inaceitável.

Sentimentos de inadequação e insuficiência – A ideia de que "nunca é suficiente" alimenta uma ansiedade constante, uma corrida sem linha de chegada.

Autocobrança e baixa autoestima – O corpo vira um projeto interminável, onde cada novo ajuste ou melhoria nunca parece ser o bastante.

Exclusão e estigma – Em um meio que exalta corpos esculpidos e juventude eterna, quem foge desse padrão frequentemente se sente invisível ou descartável.

O que torna um corpo desejável? Quem define o que é bonito e o que deve ser rejeitado?

A busca por um ideal de beleza inatingível não é apenas uma questão de escolha pessoal — o nosso desejo é moldado por forças que nos antecedem, atravessa gerações e se impõe como norma.

Desde cedo, somos ensinados a valorizar determinados traços físicos e a enxergar outros como falhas que precisam ser corrigidas.

Na comunidade gay, esse jogo se torna ainda mais brutal.

A estética deixa de ser apenas um detalhe e passa a funcionar como uma moeda de troca, um passe para pertencimento ou exclusão.

As regras são rígidas e vêm de todos os lados:

🛑 Mídia e redes sociais – Corpos perfeitamente moldados, sem falhas, são vendidos como a única forma de ser desejado. Cada curtida e comentário reforça a ilusão de que beleza e valor pessoal são sinônimos.

🛑 Aplicativos de relacionamento – O mercado da pegação opera com filtros rigorosos: não ser “padrão” significa, muitas vezes, ser ignorado. A exclusão é matemática, fria e implacável.

🛑 Eventos sociais e festas – Muitas vezes, a aceitação dentro de certos grupos está diretamente ligada à aparência, criando um ambiente onde a competição estética dita as interações.

🛑 Pornografia e a construção do desejo – O que consumimos na tela não apenas dita o que deveríamos desejar, mas também o que precisamos ser para nos sentirmos desejáveis. Padrões inatingíveis são normalizados, distorcendo nossa relação com o próprio corpo.

O impacto dessa pressão estética é devastador.

A autoimagem se fragmenta, a autoestima se dissolve e o corpo se transforma em um projeto infinito de ajustes e correções.

Em vez de um espaço de prazer e bem-estar, ele se torna uma obsessão, uma eterna busca por validação externa — muitas vezes à custa da própria saúde física e emocional.

Mas será que vale a pena pagar esse preço?

🔥 Está se identificando com esse assunto e quer minha ajuda para enfretar essas dificuldades? Chame aqui.

Quem você ve quando se olha para o espelho?

Dito tudo isso, no conto de fadas em que você vive, então me diga: quem é a verdadeira Rainha Má da história?

Ao tentar se encaixar em um modelo que impõe regras rígidas sobre padrões estéticos, você pode acabar abrindo mão do que tem de mais valioso: sua autenticidade.

Eu sei, essa conta não é simples.

Mas deixo aqui um alerta: não se perca em meio a tantas exigências.

Descubra qual é a medida que equilibra seu bem-estar físico e emocional. O que faz você gostar do que vê no espelho, sem abrir mão de quem realmente é?

Não vou mentir para você: essa é uma equação que dificilmente se resolve sozinho.

E não é uma questão de simplesmente "se amar" ou "se aceitar do jeito que você é".

Se você já me acompanha há um tempo, sabe que amor próprio não é uma solução mágica. Afinal, só aprendemos sobre o amor em relação ao outro.

📖 Recomendação de leitura:

Quem nunca sofreu por um amor inventado foi um texto que produzi inteiramente dedicado a falar sobre a falácia do amor-próprio.

🔗 Para ler, clique aqui.

Perder sua autenticidade, no fim das contas, é perder-se de si mesmo.

E, nesse processo, surgem as frustrações, o sentimento de inadequação, a desvalorização, o vazio e a solidão.

O que eu faço para não cair nas armadilhas das exigências da comunidade gay?

Fico atento às comparações, reconheço meu valor, diminuo a autocrítica e o perfeccionismo, e busco me conectar, ao máximo, com minha autenticidade.

Além disso, estabeleço regras mais leves – porque, para uma vida mais leve, as regras precisam ser bem menos exigentes.

No final, você percebe que está tudo bem não ser sempre “a mais bela de todas”

Antes de acabar eu deixo você com uma provocação: o que você entoa depois de lido tudo isso, pode fazer para não cair nas armadilhas das exigências da comunidade gay?

Espero ter ajudado.

Mas por hoje, ficamos por aqui.
Até domingo que vem.

Abraços,
Filipe
#MaisLeveDoQueNunca

💡📝 Leve para sua análise (painel resumo)

Se você rolou o texto até aqui, neste painel eu reúno todas as provocações que fiz nessa edição para você anotar no seu caderno e trabalhar na sua análise.

📌 (1) será que eu preciso me encaixar em um padrão estético para, só então, me sentir bem comigo mesmo?

📌 (2) O impacto dessa pressão estética é devastador. A autoimagem se fragmenta, a autoestima se dissolve e o corpo se transforma em um projeto infinito de ajustes e correções. Em vez de um espaço de prazer e bem-estar, ele se torna uma obsessão, uma eterna busca por validação externa — muitas vezes à custa da própria saúde física e emocional. Mas será que vale a pena pagar esse preço?

📌 (3) No final, você percebe que está tudo bem não ser sempre “a mais bela de todas”
Antes de acabar eu deixo você com uma provocação: o que você entoa depois de lido tudo isso, pode fazer para não cair nas armadilhas das exigências da comunidade gay?

🔥 Quer a minha ajuda para trabalhar e evoluir nessas reflexões?
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Na edição da semana passada, recebi ela! Victória Carmel (@hivictoriacarmel) que vive com HIV há 7 anos e desde então compartilha sua jornada nas suas redes socias.

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“Uma análise é árdua e faz sofrer. Mas, quando se está desmoronando sob o peso das palavras recalcadas, das condutas obrigatórias, das aparências a serem salvas, quando a imagem que se tem de si mesmo torna-se insuportável, o remédio é esse. Pelo menos, eu o experimentei e guardo por Jacques Lacan uma gratidão infinita (…). Não mais sentir vergonha de si mesmo é a realização da liberdade (…). Isso é o que uma psicanálise bem conduzida ensina aos que lhe pedem socorro.

GePerec, Penser/classer, Paris, Hachette, 1995. Françoise Giround, Le Nouvel Observateur, N° 1610, 14-20 de setembro de 1995.

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