Ansiedade, solidão e baixa autoestima: o lado sombrio do Grindr

💡 Mais Leve Do Que Nunca - Edição #016

✨ Super dica: Enquanto você lê, que tal ouvir "Outro Sim", de Fernada Abreu, na playlist do Mais Leve Do Que Nunca no Spotify? (🔗Ouça agora no Spotify!)

O meu namorado eu conheci no Grindr

“Oi, ativo ou passivo?” - perguntou Dotadão CL

Eu sou a chuva que lança a areia do Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia” - Respondeu XLDOT com bastante entusiasmado.

“Oi, blz? Curte o quê? Troca nudes? Tem local?”

Se você já usou o Grindr, sabe que o jogo começa com uma mensagem curta e direta. E se eu te dissesse que, para mim, esse jogo acabou virando amor?

O Grindr foi lançado em 25 de março de 2009. Um dos primeiros aplicativos de geolocalização voltados para encontros entre homens gays, bissexuais e queer, revolucionando a forma de conexão sexual da comunidade LGBT.

Antes do Grindr revolucionar a pegação digital, outra plataforma dominava o cenário: o Chat UOL. Para muitos da geração 40+, era lá que as primeiras experiências aconteciam – inclusive a minha.

Dez anos antes do Grindr, em uma madrugada qualquer de internet discada, lá estava eu: no Chat UOL, descobrindo a comunidade – na época, GLS – e fazendo minhas pegações.

Eu entrava no chat tímido e totalmente perdido, ainda tentando entender o que estava sentindo, e me permito dar ouvidos aos meus desejos “proibidos”.

O Chat UOL foi um cenário importante para a descoberta da minha sexualidade.

Foi em uma sala de bate-papo do chat que conheci um homem com quem tive minha primeira experiência sexual.

Por incrível que pareça, até então, eu namorava uma menina.
(Mas esse assunto pode ser tema de outra newsletter...)

Conheci lá o Cândido e me encantei com a novidade, me apaixonei.

Com ele, tive a certeza de como queria viver minha sexualidade dali para frente.

Um detalhe: com a convivência descobri que o cândido não era cândido, era Ricardo. Um homem casado e com filhas.

Um típico e não exótico “discreto e fora do meio”.

O Chat UOL foi um grande facilitador para as minhas descobertas.

Mas o Grindr, mesmo odiado por tantas pessoas, também tem um papel importante na minha história.

Foi no app, em uma pegação, que conheci o Matheus, o boy que saiu de “é só uma ficada” para ser o meu namorado. Até a data desta edição, estamos juntos há dois anos.

Pois é, você não leu errado. Milagres acontecem.

E eu sou a prova viva de que, sim, até no Grindr pode nascer um relacionamento inesperado.

Eu conheci meu namorado no Grindr.

Grindr: um risco para a nossa comunidade

Encontrar um amor no Grindr é um privilégio para poucos.

A realidade é que a maioria das pessoas não tem uma boa experiência no app.

Seu uso pode trazer efeitos colaterais perigosos, afetando não apenas a saúde física, mas de forma silenciosa – a saúde mental.

O Grindr e outros aplicativos de encontro representam um risco ainda maior para uma comunidade já vulnerabilizada.

Dados da Polícia Civil do estado de São Paulo mostram que, no ano passado, 96% dos sequestros registrados ocorreram por meio de aplicativos de namoro.

Há centenas de registros de agressões, extorsões e até assassinatos de homens gays por todo o Barsil.

A população LGBTQIA+, especialmente homens gays e pessoas trans, está cada vez mais mais exposta à violência.

Em cada uma dessas ocorrências, as vítimas haviam marcado encontros por meio destes aplicativos de relacionametos.

As plataformas de “pegação”, criadas para conectar pessoas e facilitar encontros, acabam, paradoxalmente, gerando efeitos psicológicos nocivos: ansiedade, desgaste emocional, dependência, sensação de insuficiência e, ironicamente, solidão.

E é por isso que esta edição do Mais Leve Do Que Nunca está tão importante.

Não se trata de moralismo ou de demonizar o Grindr. O aplicativo faz parte da realidade – e ignorá-lo não resolve nada.

A questão aqui é outra:

Como usá-lo de forma consciente e evitar que ele comprometa sua saúde mental e sua segurança?

Vamos falar sobre isso.

Muito além do sexo: o que realmente buscamos no Grindr?

Saber isso aqui vai definitivamente mudar a sua forma de se relacionar, não só com o app, mas com o mundo ao seu redor.

A psicanálise nos ensina que o nosso desejo é ser o desejo do Outro.

Essa afirmação está profundamente ligada à teoria lacaniana. Jacques Lacan formulou a ideia de que "o desejo é o desejo do Outro".

Isso significa que nosso desejo não é algo totalmente autônomo, mas se estrutura a partir do desejo do Outro — ou seja, daquilo que percebemos que os outros desejam e valorizam.

Não desejamos apenas por impulso próprio, mas porque o Grande Outro nos ensina o que deve ser desejado.

Nossa busca por validação, reconhecimento e pertencimento está ligada ao Grande Outro.

No contexto do Grindr, essa teoria faz total sentido: há um jogo de desejo mediado pelo Grande Outro.

O que é considerado atraente, desejável e valioso no aplicativo não surge espontaneamente, mas se insere em códigos sociais e culturais já existentes.

A valorização de certos corpos, comportamentos e padrões passa por essa lógica.

O que é desejado ali - no app - é o que o Outro valida como desejável.

Parece complicado, mas não é.

No app, não estamos apenas buscando prazer ou companhia; estamos, muitas vezes, tentando ocupar — inconscientemente — um lugar de desejo na economia do desejo do Outro.

A validação que buscamos ali pode ser uma forma de responder à pergunta fundamental: "O que (mais) o Outro deseja em mim?"

  • Qual o tamanho que meu pau precisa ter para o Outro me desejar?

  • Qual corpo eu preciso ter para o Outro me desejar?

  • Quão “masculino” ou “discreto” eu preciso ser para o Outro me desejar?

No Grindr, a lógica da admiração e do reconhecimento opera o tempo todo: queremos ser notados, queremos ser escolhidos, queremos ver nosso desejo correspondido.

Lacan afirma que "o desejo é o desejo do Outro".

Isso significa que não desejamos apenas por impulso próprio, mas porque o Grande Outro nos ensina o que deve ser desejado.

Nossa busca por validação, reconhecimento e pertencimento está ligada ao Grande Outro.

Anote isso: no final das contas, em última instância, o Grindr é muito menos sobre sexo e muito mais sobre validação e admiração.

Como nos ensinou René Girard, um filósofo francês, "todo desejo é um desejo de admiração", dentro de sua teoria do desejo mimético.

⚠️ Lembre-se disso sempre que estiver “caçando” no app.

Basta um clique na imagem para agendar a sua entrevista comigo.

Block e ghosting: a rejeição no digital

Longe das regras morais e dos códigos de conduta social que, de alguma forma, lapidam a maneira como nos relacionamos, as regras no app são bem diferentes.

Quase uma terra sem leis, sem recalque e sem repressões, esse universo paralelo faz com que as interações humanas assumam outras dinâmicas.

Para muitos, isso se traduz em ansiedade.

Na tentativa de um encontro — seja para um sexo casual ou para uma interação mais profunda — o block ou o ghosting, quando acontecem, podem ser insuportáveis.

Como se não bastasse lidar com a rejeição na vida offline, nas redes sociais esse processo pode ser ainda mais brutal.

E, no Grindr, certos padrões de exclusão ficam ainda mais evidentes: misoginia, gordofobia, etarismo, racismo, sorofobia e machismo reforçam a discriminação dentro da própria comunidade LGBT.

E qual o perigo disso?

Se “todo desejo é um desejo de admiração”, sentir-se rejeitado pode ter um impacto muito doloroso, pois a sensação é de que fomos excluídos da economia do desejo do Outro.

(Se você rolou o texto até aqui correndo, sugiro que volte à seção anterior para entender melhor o conceito de “economia do desejo do Outro”.)

Essa dinâmica se traduz em ansiedades, inseguranças e mecanismos de comparação que corroem a autoestima de qualquer um.

A sensação de não pertencimento e insuficiência pode nos levar a um poço fundo de autodesvalorização.

Sem perceber, acabamos medindo de forma equivocada o nosso próprio valor pelo valor que o Outro nos dá.

Grindr e nossas urgências secretas

Encontrei meu analista no grindr, e agora? - Bianca Baganarelli

"Desisti do Grindr porque fico perdendo muito tempo e, no fim, nunca rola nada!"

- Brother Sigilo XXL

Se você foi um leitor dedicado, interessado e atencioso, já descobriu comigo que, no Grindr — assim como em qualquer outro dispositivo de relacionamento — a busca não é apenas por sexo.

Também é, claro. Mas, no fundo, trata-se muito mais de uma busca inconsciente por admiração.

E nessa busca, na maioria das vezes, encontramos nada mais do que um vazio.

Seja o vazio que vem na forma de um ghosting ou de um block, seja o vazio deixado por uma relação casual, um sexo rápido que não satisfaz suas necessidades de atenção, carinho e valorização.

Essas necessidades, comuns a todos nós, eu chamo de urgências secretas.

Urgências secretas porque, muitas vezes, elas não estão tão claras quando o assunto é desejo.

E, mais uma vez, talvez a caça no app seja menos sobre sexo e mais sobre a busca por admiração, aceitação e valorização.

Muitas vezes, é uma tentativa de preencher um vazio — encontrar uma validação que reafirme nosso valor para, assim, tentar silenciar esse vazio.

O match, a mensagem recebida, o convite para um encontro—tudo isso pode funcionar como um espelho que diz: "você é desejável".

Os 7 piores impactos do Grindr na sua saúde mental

(1) Dependência emocional e vício

Muitas pessoas desenvolvem uma relação compulsiva com o app, checando notificações constantemente e precisando de matches ou mensagens para se sentirem bem. Isso pode criar um ciclo viciante de validação externa.

(2) Impacto na autoestima

A lógica dos aplicativos reforça uma cultura de comparação, onde o valor próprio parece depender da quantidade de atenção recebida. A falta de mensagens ou rejeições pode levar à sensação de inadequação.

(3) Ansiedade e angústia

O medo da rejeição, a incerteza das interações e a imprevisibilidade das respostas podem gerar ansiedade social e emocional, afetando até mesmo a forma como a pessoa se relaciona fora do app.

(4) Sentimento de solidão e vazio

Paradoxalmente, o Grindr pode aumentar a solidão, pois a conexão ali é muitas vezes superficial. Depois de um encontro, o usuário pode sentir um vazio ainda maior, já que a busca por validação não foi realmente preenchida.

(5) Comparação destrutiva e autoimagem distorcida

O app reforça padrões de beleza e de corpos idealizados, fazendo com que muitas pessoas se sintam inferiores ou inadequadas, alimentando inseguranças e transtornos de imagem.

(6) Exposição a rejeições constantes e exclusão social

O ghosting, o block e as preferências excludentes dentro do app (como racismo, gordofobia, etarismo e sorofobia) podem causar dor emocional intensa, reforçando sentimentos de exclusão e rejeição.

(7) Redução da capacidade de criar conexões profundas

O uso excessivo do app pode enfraquecer a habilidade de desenvolver relacionamentos significativos, tornando as interações cada vez mais descartáveis e transacionais, dificultando a construção de intimidade real.

✨ Super dica: Se você sente que o Grindr tem impactado negativamente sua saúde mental, pode ser útil refletir sobre seu uso e, se necessário, buscar apoio terapêutico.

O segredo está na autovalorização

O que acontece quando percebemos que estamos mais preocupados em sermos escolhidos do que em escolher?

É fato: os aplicativos de sexo e relacionamento transformaram a maneira como nos conectamos.

Um estudo inédito – ainda que pouco surpreendente – constatou que esses apps afetam negativamente a saúde mental, trazendo impactos psicológicos preocupantes.

Além dos riscos à segurança física, expondo usuários à violência, roubos e até mortes, os aplicativos têm contribuído significativamente para o aumento da ansiedade e, paradoxalmente, para o reforço da solidão — quando, na teoria, seu propósito seria promover a interação.

⚠️ Fique atento aos sinais!

Ter a liberdade para se divertir e viver a sua sexualidade com responsabilidade sempre é muito bem-vindo, mas se esse divertimento está custando a sua saúde mental, talvez seja hora de repensar.

Esse meu texto não é para demonizar o Grindr, muito menos alimentar um discurso moralista de repressão sexual.

É possível sim viver experiências divertidas nos apps.

Conhecer pessoas novas, viver boas histórias para contar — ou guardá-las só para você “no sigilo” 😈 

Encontros que podem não passar de uma ótima transa casual ou que se transformam em verdadeiras histórias de amor.

Talvez o caminho seja encontrar uma forma singular de manter uma relação saudável com os aplicativos.

Uma relação que preze sempre pela sua saúde física e mental, mas que principalmente não abale a sua autoestima, a sua autovalorização nem a sua confiança.

⚠️ Tem bônus!

Separei 10 dicas infalíveis para compartilhar com você que irão te ajudar a ter uma relação mais saudável com os apps de “pegação”.

Por hoje é tudo isso. Até semana que vem!
Forte abraço,

Filipe Estevam
#PodeSerLeve #MaisLeveDoQueNunca

🎁 Bônus extra: 10 dicas para viver uma experiência saudável com o Grindr

Você se lembra da pergunta lá nas primeiras linhas desta edição que nos trouxe até aqui? Como usar o Grindr de forma consciente e evitar que ele comprometa sua saúde mental e sua segurança?

Aqui vão minhas 10 dicas infalíveis para uma relação mais saudável com o Grindr ou com qualquer outro app de relacionamento.

(1) Esteja consciente das suas intenções

Antes de abrir o app, pergunte-se: o que estou realmente buscando aqui? Companhia? Sexo casual? Validação? Atenção? Ter clareza sobre isso ajuda a evitar frustrações e ciclos repetitivos de insatisfação.

(2) Não condicione sua autoestima ao app

Se o seu humor depende de quantas mensagens recebe ou de quantos matches faz, talvez seja hora de refletir sobre como você tem medido o seu próprio valor. Seu desejo não precisa ser regulado pela aprovação dos outros.

(3) Rejeição no digital não define seu valor

O ghosting e o block fazem parte das dinâmicas do Grindr, mas não são um espelho do seu valor pessoal. Muitas vezes, essas atitudes dizem mais sobre quem as pratica do que sobre você.

(4) Proteja sua saúde mental

Se o Grindr está gerando ansiedade, sensação de exclusão ou esgotamento emocional, faça pausas. O aplicativo deve ser um espaço de possibilidades, não de sofrimento.

(5) Use com moderação

Se você percebe que passa horas deslizando, conversando e se frustrando, estabeleça limites. O uso excessivo pode ser um sinal de fuga emocional.

(6) Saiba diferenciar desejo de carência

Nem toda vontade de abrir o app vem de um desejo genuíno. Às vezes, estamos apenas entediados, ansiosos ou buscando distração. Reflita antes de agir.

(7) Valorize conexões reais e presenciais

Se o Grindr tem sido sua principal forma de interação, talvez seja hora de fortalecer relações fora do digital. Interações presenciais são fundamentais para nosso bem-estar emocional.

(8) Terapia pode te ajudar a enxergar além do app

Se você sente que o Grindr afeta sua autoestima, suas emoções ou seus relacionamentos, a terapia pode ser um caminho para compreender melhor essas questões. Autoconhecimento ajuda a quebrar padrões que não te fazem bem.

 🔗 Buscar apoio terapêutico.

(9) Evite padrões destrutivos

Se, depois de usar o Grindr, você sempre se sente pior do que antes, pode ser um sinal de que algo precisa mudar. Observe como o app impacta seu bem-estar e faça ajustes.

(10) O Grindr é uma ferramenta, não uma necessidade

Você pode usá-lo, pausar ou até abandoná-lo. O que realmente importa é como você se sente ao usá-lo. Se não estiver te fazendo bem, não tenha medo de buscar alternativas.

✨ Super dica: Se você já pensou "odeio esse aplicativo, mas continuo usando", vale a pena se perguntar: o que realmente estou tentando preencher? A resposta pode revelar muito sobre você.

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Edição #015 - Autoritarismo da excelência do homem gay

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“Uma análise é árdua e faz sofrer. Mas, quando se está desmoronando sob o peso das palavras recalcadas, das condutas obrigatórias, das aparências a serem salvas, quando a imagem que se tem de si mesmo torna-se insuportável, o remédio é esse. Pelo menos, eu o experimentei e guardo por Jacques Lacan uma gratidão infinita (…). Não mais sentir vergonha de si mesmo é a realização da liberdade (…). Isso é o que uma psicanálise bem conduzida ensina aos que lhe pedem socorro.

GePerec, Penser/classer, Paris, Hachette, 1995. Françoise Giround, Le Nouvel Observateur, N° 1610, 14-20 de setembro de 1995.

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