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Sem tempo pra nada? Quem paga o pato?
Mais Leve Do Que Nunca - Edição #007

Você conhece a metáfora do machado sem fio?
O cenário desta história que introduz a sétima edição do Mais Leve do Que Nunca é nada menos que a cozinha da minha casa.
Estamos em um sábado de tarde, fogão ligado a todo vapor, taça de vinho para dar um ânimo especial ao trabalho: é dia de fazer os preparos das minhas refeições principais da semana que está para começar.

boas vindas à minha cozinha no dia que ela está organizada.
Eu sou o tipo de pessoa que, apesar da minha rotina corrida, cada minuto é disputado e distribuído entre os atendimentos no consultório, grupos de estudos, longas horas de escrita para a newsletter, seminários, conteúdo para o Instagram, palestras e mentorias.
Ainda assim, consigo encontrar tempo para priorizar meus treinos de musculação seis vezes na semana e sigo uma dieta prescrita pelo meu nutricionista esportivo para manter a “skin de um gay padrão”.
Vale destacar que uma dieta para ganho de massa magra é bastante calórica, o que significa que o preparo das refeições envolve um volume de comida generoso.
Para te ajudar a imaginar o volume de alimentos que eu preparo de uma vez só em um sábado na cozinha, aqui vai:
São 4 cebolas;
20 dentes de alho;
2 brócolis;
1 Couve flor;
4 cenouras;
2 abobrinhas;
2 quilos de peito de frango;
1 quilo de carne moída;
2 xícaras de arroz e
½ pacote de macarrão.
Coisa para um caralho, como se diz no dito popular!
(Se você quiser saber mais sobre como funciona a minha organização de preparos na cozinha para a semana toda, mande um recado nos comentários.)
Descasca, corta, pica bem pequeno, liga o fogão, coloca na panela.
Repete tudo de novo.
De todos os desafios que uma pessoa que não domina as artes da gastronomia enfrenta na cozinha, tem um que faz o serviço ficar pior: uma faca sem fio.
Saber desse detalhe é o mais importante e fará toda a diferença nessa história que até então parece não ter nada a ver com o tema desse texto.
O que acontece é que eu “não tenho tempo” para levar a faca até o “tio” do quiosque desses de rua que amola facas e alicates.
E, quando eu tenho tempo, simplesmente esqueço e não o faço.
Aqui que está o X da questão:
consegue imaginar o tamanho do esforço que eu coloquei, muito além do necessário se a minha faca estivesse simplesmente afiada?
Resultado: naquele sábado à noite, antes de finalizar os preparos, comecei a sentir uma dor insuportável perto do polegar da mão direita.
Maior que fossem meus esforços em ignorar aquela dor, tomado absolutamente pela minha rotina milimetricamente planejada, inevitavelmente, uma semana depois, com a mão bastante inchada, fui até um pronto atendimento e fui surpreendido com o diagnóstico: tendinite de Quervain, uma inflamação no tendão que liga o polegar ao punho.
Olha aí o corpo pagando o preço da minha “falta de tempo”— entre aspas para deixar claro que é muito mais uma questão de organização, prioridade e planejamento do que de tempo propriamente dito.
De alguma forma, depois precisei encontrar um tempo na agenda não só para ir ao médico, mas também para as longas e demoradas sessões de fisioterapia.
Se eu tivesse sido um pouco mais atento, tivesse feito o que falo para os meus pacientes, eu teria forçado uma pausa na loucura dessa rotina e me organizado de alguma forma para afiar a faca.
Com a ferramenta de trabalho pronta, retomaria melhor preparado para a lida na cozinha e com bem menos prejuízos.
Sim, é a velha história sobre parar para afiar o machado da vida real.
Nessa altura da leitura você, meu caro leitor e minha querida leitora, já deve imaginar onde estou querendo chegar…
Eu não tenho tempo, você não tem.
Ninguém tem.
O que aconteceu com a gente que agora ninguém tem mais tempo para nada?
A era moderna com todas as novas tecnologias que prometiam agilizar nossas tarefas e facilitar a nossa vida, para que a gente pudesse saborear as delícias do tempo livre, virou-se contra nós mesmos.
Agora precisamos fazer tudo mais rápido para fazer mais e cada vez melhor e nesse ritmo frenético, a vida nos pressiona a eleger nossas prioridades em detrimentos de tantas outras coisas que gostaríamos de fazer.
Na correria do seu dia-a-dia, com todas as suas ocupações e responsabilidades, boletos para pagar você é forçado a eleger prioridades.
Sonhos e projetos de vida importantes são deixados de lado.
Guardados na prateleira mais alta da estante disputam um espaço entre livros nunca lidos, poeira e o anti mofo vencido que você nem se lembra mais de trocar.
Esses voltam a lembrança, num breve suspiro de esperança, em mais uma lista de metas de virada de ano novo, mas que mais uma vez, como em todos os anos, não sairão do papel.
Não somos senhores em nossa própria morada.
Agora eu preciso da sua total atenção:
Eleger prioridades para atender a urgência de uma agenda e deixar de priorizar outras tarefas pode parecer num primeiro momento que são escolhas lógicas e racionais, mas não se iluda.
Como já nos alertava Freud, “não somos senhores em nossa própria morada” no seu texto de 1917, Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise, e sendo assim, muitas das nossas escolhas que até parecem lógicas, acontecem no nível do inconsciente que é soberano e opera em todas as nossas tomadas de decisões.
Nosso divo Freud argumenta que, assim como Copérnico mostrou que a Terra não é o centro do universo e Darwin mostrou que o ser humano é parte do reino animal, a psicanálise revela que não temos controle absoluto sobre nossa própria mente.
A mente consciente não domina o inconsciente, e, portanto, “não somos senhores em nossa própria morada”.
Esse insight desafia a ideia de que podemos sempre conhecer e controlar nossos pensamentos, ações e agendas, revelando que muitos processos mentais são inconscientes e estão além do nosso controle direto.
O que eu quero dizer é que a sua falta de tempo está mais relacionada com os mecanismos do inconsciente para você lidar com seus traumas do que com o gerenciamento lógico do seu tempo e da sua agenda.
Continiue lendo…
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